Censo dos Milhafres em Reportagem na SIC Internacional

O Censo dos Milhafres/Mantas decorre nos arquipélagos dos Açores e da Madeira desde 2006, sob a coordenação da SPEA.
Uma vez ao ano, durante um fim-de-semana, por volta de Março ou Abril, os cidadãos percorrem vários quilómetros nas várias ilhas, para registar dados sobre esta espécie, tão importante nos nossos ecossistemas.
Desde o número de aves avistadas, ao quilómetro de observação, comportamento da ave, habitat em que se encontra e distância a que se encontra, muitos são os dados com que a cidadania contribui para a ciência. É por isso, que se denominam estas iniciativas, em que o cidadão comum participa de forma voluntária em trabalhos científicos, de Citizen Science (Cidadania na Ciência).
Com a colaboração dos cidadãos, conseguem obter-se grandes volumes de informação e obter dados científicos que permitem gerir melhor certas questões ambientais.
Este ano, a SIC Internacional interessou-se pelo trabalho desenvolvido pela SPEA e brindou o público em geral com uma reportagem sobre um Censo onde os cidadãos são essenciais para a contagem de Milhafres/Mantas.
Veja o vídeo da Reportagem, emitida no programa +351 da SIC Internacional:

A vida por um fio... Eléctrico!!

Narrado por Rita Moreira, com os contributos de Carla Veríssimo. Fotos de Carla Veríssimo, Raquel Neves e Nuno Luz.

25 Jan. 2010:
Saio de Lisboa com o Nuno Luz no jipe dele em direcção ao Gerês. Desta vez levo o GPS da minha mãe para ser mais fácil dar com os caminhos.
A Julieta, a Raquel Neves e a Andreia Penado (as voluntárias desta vez) saem um pouco mais tarde. Ainda têm de apanhar a Carla no Porto. Cruzamo-nos no Porto e combinamos parar em Braga para jantar. Saímos para o centro, mas a partir daí não existem mais indicações, pelo que vamos andando até que começo a reconhecer alguns locais e paramos perto de um restaurante. Entretanto elas dizem-nos que passaram a saída de Braga e como tal o melhor será jantarmos em Ponte da Barca… Se já foi difícil dar com o centro de Braga, mais complicado é dar com a saída para Ponte da Barca!
Ligo o GPS, mas não há sinal. Encontramos uma indicação pretendida e seguimos, mas no cruzamento seguinte deixam novamente de existir indicações! Seguimos aquela teoria de que se não há indicações deve ser para ir em frente… Vamos passando em pequenas povoações que não constam no mapa, por isso também não nos servem de muito, além de que é de noite e não conhecemos a estrada cheia de curvas. Até que o GPS dá sinal de vida e nos indica estarmos a andar no sentido contrário!! Fazemos inversão de marcha e seguimos no caminho indicado. À nossa frente segue uma carrinha que parece conhecer bem a estrada, dada a velocidade a que circula. Decidimos segui-la e percebemos que se trata de um veterinário e que deve circular em emergência. Já nos imaginamos em casa de alguém com um gatinho ao colo quando a carrinha parar! Depois de muitos quilómetros, lá damos com a estrada para Ponte da Barca. Elas aguardam-nos num restaurante. Jantamos e rimo-nos das aventuras para ali chegar.
Como tenho o GPS, seguimos nós à frente desta vez. O caminho ainda é longo até Castro Laboreiro. Ficamos instalados numa casa rústica que foi remodelada para Turismo. Apesar de altamente equipada com aquecimento central, este está desligado!! Eu e o Nuno ficamos num quarto com colcha azul-bebé acetinada e cheia de folhos cor-de-rosa; elas ficam noutros quartos. Ao menos dentro dos quartos não está tão frio. De qualquer modo, opto por pôr cobertores na cama!

26 Jan. 2010:
Quando acordamos de manhã, está um vento gelado e as temperaturas desceram tanto que há flocos de gelo no chão. Tomamos o pequeno-almoço e preparamo-nos para enfrentar o frio.
Faço a primeira linha com o Nuno. Aproveitamos para tirar fotografias aos cavalos típicos daquela zona, os Garranos, que vivem em estado semi-selvagem. As poças de água estão cobertas por camadas de gelo e, não muito longe, vejo um peto-verde agarrado a uma árvore. Felizmente levamos galochas porque em algumas zonas está tudo alagado. Não encontramos nenhum vestígio, mas quase sou mordida por um cão pastor que ali aparece… Afastamo-nos rapidamente da zona.
Encontramo-nos com o resto da equipa na bomba de gasolina em Lamas de Mouro. Mostram-nos as penas de um pato que tinham recolhido sob a linha, mas que não tinha morrido electrocutado ou por colisão. Tinha sido uma senhora a ir para lá depená-lo!
Almoçamos num restaurante de caçadores, onde um coelho empalhado e vestido com algo que lembrava um caçador nos olhava! Já reconfortados, seguimos para a zona da barragem do Lindoso. A Carla e o Nuno ficam a prospectar uma linha e eu levo o jipe dele para o local onde vão acabar a prospecção, de modo a terem como se encontrar connosco no final.
A linha que íamos fazer era nova e por isso tivemos de a procurar. Quando finalmente damos com ela, fico com a Andreia e a Raquel segue com a Julieta. Ficamos de fazer a linha toda e de nos encontrar em Lindoso.
A linha não é das mais fáceis. Apesar de ser sempre a descer, é algo íngreme, com rochas, buracos escavados pela água e cheia de silvas e tojos, pelo que nos fartamos de picar à medida que avançamos. Além dos picos, deparamo-nos também com vacas de raça mirandesa, algumas das quais sob a linha. Temos muita dificuldade em avaliar a reacção das vacas, uma vez que não se mexem mas seguem-nos fixamente com o olhar. Não conseguimos entender se estão apenas curiosas com a nossa presença ou se acham que estamos a invadir o seu espaço. Dado o tamanho e os cornos afiados, preferimos contorná-las de longe a ter um encontro imediato!
Está cada vez mais escuro e começa a ficar frio novamente. A meio da encosta, ouvimos o Nuno e a Carla a comunicar através do walkie-talkie. Tinham acabado a linha deles e vinham buscar-nos. Conseguimos ver o carro na estrada no outro lado da encosta, mas eles não conseguem ver-nos no meio do mato. Indicamos-lhes como ali chegar o melhor que conseguimos, já que a comunicação tem muitas falhas e as baterias estão fracas. Recorremos aos telemóveis, apesar de também não ajudarem muito pois há pouca rede.
Uma vez que a distância até à povoação é ainda grande, eu e a Andreia optamos por tentar regressar lá acima, ao único local onde há uma estrada. Mas se a descer já não era fácil, a subir é ainda pior! Tentamos seguir por uma espécie de trilhos feitos pelos garranos que por ali andam, mas sempre sem perder a linha de vista para não acabarmos perdidas. A subida é muito custosa e a luz é já muito pouca pelo que ficamos muito contentes quando vemos passar no caminho a parte de cima do carro do Nuno! Mas eles passam e parecem não nos ver, já que o terreno é muito inclinado. Tentamos comunicar com eles de todas as formas possíveis, para que voltem para trás e finalmente conseguimos que nos oiçam! O ar frio dificulta-nos a respiração e estamos já cansadas de tanto subir. O esforço é grande e parece que nunca mais lá chegamos. O carro vai ficando cada vez maior à medida que nos aproximamos, e isso dá-nos outro alento para continuar. Tentamos seguir o caminho mais curto para o carro, mas quando chegamos perto da estrada, o barranco era muito alto e estava cheio de silvas. Era impossível subir por ali... Procuramos então outro local para subir. Mas isso obriga-nos a descer um pouco novamente. Nisto, abro caminho através das giestas que são do meu tamanho e deparo-me com um garrano deitado. A primeira reacção é parar e afastar-me um pouco, com medo de o ter surpreendido, mas quando olho melhor reparo que estava morto. Estava fresco, mas não tinha olhos e tinha um pouco de sangue nos lábios arreganhados. Foi uma visão terrível! Tentando tirar aquela imagem da cabeça, conseguimos subir para o caminho. Estamos cansadas, cheias de sede mas felizmente não tivemos de andar no mato às escuras! Vamos ter com a Julieta e a Raquel e rumamos ao Campo do Gerês, onde vamos dormir esta noite. O GPS indica-nos que o caminho mais rápido é por Espanha. Eu vou com o Nuno e o resto da equipa segue no outro carro. Em Espanha, temos novas aventuras: o GPS mando-nos desviar de estradas aparentemente principais para circular em estradas secundárias e em algumas aldeias as ruas são tão estreitas que tememos não conseguir passar. Entramos em Portugal pela Mata de Albergaria, que temos pena de não ver por ser de noite. As estradas é que não estão em muito boas condições e mais parece que vamos no mar alto! Mas talvez assim a Mata se conserve melhor, já que limita o acesso à maioria dos automóveis. Finalmente chegamos!
Colocam-nos no mesmo edifício, mas separam-nos do Nuno, que fica sozinho na ala masculina… Felizmente descobrimos que a porta que separa as duas alas não se encontra trancada e podemos conversar uns com os outros!
Nas casas de banho a poupança de água é levada a sério! Tão a sério que não é possível lavar as mãos com facilidade, já que quando se pressiona a torneira, esta deita água durante tão pouco tempo que quando pomos as mãos por baixo, a água já acabou! O mesmo se passa com os chuveiros, já que a água corre apenas durante 20 segundos, sendo necessário carregar novamente no botão para voltar a ter água!
Jantamos numa casa de petiscos ali perto. Pedimos sopa para nos aquecer e o senhor aparece-nos com umas malgas enormes, pão, azeitonas e chouriças assadas! Até temos dificuldade em comer tanto!!

27 Jan. 2010:
Ao pequeno-almoço, apesar da escolha, havia um limite por pessoa: ou se levava um prato com duas fatias de fiambre, ou um com duas de queijo. Não era possível levar uma fatia de cada! A senhora, atrás do balcão, certificava-se que não havia erros no que tirávamos. Enquanto punha a 2ª colher de chocolate no leite, receei o que me aconteceria se quisesse uma 3ª, dado o olhar que me fazia! Ao ver que não existiam guardanapos à disposição, tive a “ousadia” de pedir um à senhora, ao que recebo uma pronta resposta: “Os guardanapos estão nos pratos!”, mas visto que não trazia prato de fiambre ou queijo, não tinha direito a guardanapo! Ela ao perceber, lá me foi buscar um guardanapo, mas com cara de má e a muito custo.
De manhã faço uma linha não muito longe dali com o Nuno. A estrada não chega ao apoio com seccionador onde devemos começar, pelo que temos de andar dois apoios para trás antes de começar. Estamos a chegar ao apoio e, em cima dum penedo gigante, surge um cão de médio porte que fica todo contente por nos ver. Está tão feliz que receamos que se atire de cima do penedo, pois está já em posição de quem vai saltar cá para baixo. Felizmente, dá a volta e aparece para se roçar em nós e nos lamber as mãos. Parece que não vê ninguém há muito tempo, provavelmente foi abandonado. Está magro mas enérgico e começa a seguir-nos para toda a parte. Tentamos não lhe dar muita atenção, na esperança que se afaste, pois não o podemos levar connosco. Segue-nos durante toda a linha. Nos locais mais abertos onde há rocha ou solo nu, segue na frente, como quem indica o caminho. Nos locais com tojo e silvas, espera que passemos, como se nós fossemos os responsáveis por encontrar o melhor caminho! Tem dificuldade em atravessar todos os picos e espinhos, ficando com um andar notório de que aquilo pica!, mas nem assim se afasta. Anda de tal modo próximo que chocamos com ele quando pára de repente ou então empurra-nos. Até as ribeiras consegue ultrapassar!
Terminamos a linha e dirigimo-nos ao carro, sempre seguidos do nosso amigo. Questionamo-nos sobre o que fazer. Não o podemos levar connosco, não conhecemos um canil onde o possamos entregar, mas também não o queremos abandonar. Damos-lhe laranja descascada que come com gosto, dada a fome que tinha. Não o conhecendo, também temos receio de o tentar agarrar para o pôr no carro e tentar levar a algum lado. Optamos por entrar no carro e ir andando devagarinho a ver o que faz. Trota atrás do carro com o mesmo ar feliz do que antes. Vem andando atrás de nós até que vemos passar uma carrinha do Parque. Certamente saberão o que fazer nestas situações. O Nuno acelera na tentativa de os apanhar e perguntar. O cão começa a correr atrás do nosso carro. A estrada é cheia de curvas e bem conhecida pelos técnicos do Parque, pelo que rapidamente os perdemos de vista. Paramos na tentativa de encontrar o cão, mas nem jipe do Parque nem cão… Perdemo-los a ambos… Fico triste com a situação… Apesar de não termos abandonado o cão, senti como se tivéssemos traído a sua confiança e depois abandonado…
Cruzamo-nos com um pastor e pouco depois estamos de novo na aldeia. Pode ser que alguém o encontre e fique com ele, agora que está mais perto das casas.
Almoçamos na mesma casa de petiscos do dia anterior.
Ficamos de nos encontrar com o resto da equipa em Bragança. Mais uma vez, o melhor caminho é pelas vias rápidas de Espanha. Receamos o gelo na estrada, que vemos acumula nas bermas das estradas e no topo das montanhas.
Acabamos o dia a jantar no centro comercial! Quem disse que era só andar no mato?!?

28 Jan. 2010:
Saímos cedo. Está muito frio e os vidros dos carros têm uma camada de gelo. Vou com a Raquel buscar água para os descongelar. Quando finalmente temos os vidros descongelados e estamos prontos para sair, a carrinha não pega… Agarro-me ao volante enquanto os restantes empurram. O pior é que a carrinha estava estacionada de frente e não sai à primeira do lugar. Uns empurram à frente e outros atrás para a manobrar. Vou fazendo o que posso lá dentro, já que a direcção está muito pesada pelo facto do carro não estar ligado. Após várias manobras, lá se vira a carrinha em direcção à saída. Dizem-me para engatar a 2ª e para manter a embraiagem em baixo e depois soltar quando me disserem. Nunca tinha pegado um carro de empurrão pelo que acato tudo o que me dizem. Começam os 5 a empurrar e dizem-me para ter atenção ao portão porque é estreito, mas não param de empurrar!! Sem direcção assistida, lá vou tentando virar o volante o mais que posso para acertar com a saída. Dizem-me para levantar o pé da embraiagem e o carro dá um enorme salto mas pega! Fartei-me de saltar lá dentro, e sem cinto de segurança pior.
Lá fora, receio que tenham batido com a cabeça na carrinha tal foi o solavanco. Depois do portão há uma estrada onde não quero entrar à velocidade a que vou. Volto a carregar na embraiagem e no acelerador a ver se não deixo a carrinha ir abaixo, mas como quero parar antes da estrada, tenho de desengatar e carregar no travão. Uma confusão!, mas a carrinha continuou a funcionar!
As primeiras linhas do dia são feitas na zona de Rabal. Fico com o Nuno perto da aldeia de França. Ainda mal começámos a andar na direcção do 1º apoio e aparece-nos um veado que sai do meio do esteval!! O mato por baixo da linha está cortado pelo que o conseguimos observar muito bem. Corre primeiro para um lado e depois regressa para onde veio, desaparecendo encosta abaixo no meio da vegetação.
Começamos a fazer a linha. É uma linha difícil, julgo que a mais difícil que fiz até então, pois é sempre a subir e a descer encostas com mato… A sorte é que o gelo congelou parte das silvas, tornando-se mais fácil caminhar sobre elas. Finalmente chegamos a Rabal, onde almoçamos umas alheiras com o resto da equipa num café ali perto, onde contamos as aventuras que cada um teve na sua linha. A Carla e a Andreia não conseguiram arranjar local para atravessar um afluente do Rio Sabor e tiveram de fazer quilómetros pela estrada até apanharem boleia.
Depois do almoço seguimos para a aldeia de Montesinho. A Raquel vai fazer uma parte da linha com a Julieta e eu vou deixar o Nuno e a Carla do outro lado da aldeia, seguindo depois para o pinhal para fazer a outra parte da linha com a Andreia. Comparada com a linha da manhã, a progressão no terreno é agora muito mais fácil, contudo sentimo-nos constantemente enganadas por pequenos pedaços de madeira que parecem pequenos ossos. O Nuno e a Carla apanharam umas penas estranhas que desconfiamos serem duma qualquer ave de capoeira que alguém por ali depenou.
Desta vez jantamos nas instalações onde pernoitamos. Dizem-nos que o jantar é servido entre as 19h30 e as 20h30, mas não nos dizem que às 19h30 a comida estará no prato à nossa espera. Quando chegamos às 20h, está tudo frio… Nem conseguimos tirar a pele do peixe e as batatas ganharam uma película espessa… Tentamos encontrar na cozinha alguém que nos possa aquecer a comida no micro-ondas, mas em vão... A cozinheira já tinha saído… Por sorte, alguém nos ouviu chamar e deixou-nos aquecer a comida. Peixe aquecido no micro-ondas não é nada bom, mas mal por mal, ao menos agora estava quente…

29 Jan. 2010:
Depois do pequeno-almoço vamos fazer linhas para a zona de Vinhais. Continua frio e o vento não ajuda nada. Prospecto uma linha com o Nuno e elas seguem para outra zona. O troço é um pouco sobe e desce, mas nada comparado com o dia anterior! Primeiro passamos numa zona de matos e depois uma zona agrícola, entretanto deparamo-nos com um ribeiro com uma vala larga e funda, mas que mal se vê, dada a quantidade de vegetação que tem. Centímetro a centímetro vamos progredindo por cima da vegetação meia tombada, mas sempre com receio de que esta não aguente o nosso peso. Dou-me por muito feliz quando finalmente sinto os pés em terra firme do outro lado!
A estrada de saída é junto ao placard publicitário da Feira do Fumeiro. Infelizmente já foi… e voltamos a casa depois de um óptimo lombo de porco assado com castanhas, em Vinhais. Continua frio e tiramos umas fotos para a posteridade. Depois cada um segue o seu caminho para Lisboa.

Dente por dente, mato por mato

Narrado por Rita Moreira, com os contributos de Carla Veríssimo. Fotos de Rita Moreira, Carla Veríssimo e Raquel Neves.

18 Jan. 2010:
Regressamos ao campo. Desta vez, a voluntária que nos acompanha é a Raquel Neves.
Saímos de Lisboa às 8h30. Não precisamos de ir a Leiria buscar a Carla. Ela irá ter connosco mais tarde, pois foi a uma entrevista para integrar a coordenação de outro projecto da SPEA: Avifauna e Linhas Eléctricas dos Açores.
Chove e apanhamos muito nevoeiro pelo caminho.
Depois do almoço fazemos uma linha corrigida com mangas de PVC, na Barragem de Santa Maria de Aguiar. Estas protecções evitam a electrocussão das aves que possam tocar nos fios quando pousam nos postes. A Barragem estava muito cheia, resultado do Inverno chuvoso. Alguns dos cais até se encontram submersos! Começamos por prospectar a linha a 3, para explicar os procedimentos à Raquel. Encontramos umas penugens dispersas e presas nas giestas, mas não conseguimos saber se serão provenientes de alguma ave que colidiu ou se é o que resta da refeição de uma rapina. Ao longe, sobrevoam-nos dois grifos.
A Julieta volta para trás para buscar a carrinha e fica de nos apanhar no fim da linha. O sol de fim de tarde dá-nos outro ânimo, após tantos dias de chuva. Já perto do final encontramos uma pena escura e enorme. Com aquele tamanho talvez seja de cegonha ou de um abutre, mas não encontramos mais nada.
Não muito longe ouvimos algo que parece um tractor. Espantamo-nos por perceber que era a nossa carrinha! Quando lá chegamos, já a Julieta tinha identificado a origem do ruído: havia um parafuso saliente que raspava na ventoinha. O brilho metálico de uma parte do mesmo (enquanto todo o resto estava sujo) denunciava que se tinha desapertado recentemente. Tentamos enroscá-lo à mão, mas a falta de ferramentas dificultou a tarefa. O pouco que conseguimos foi suficiente para já não fazer ruído. De qualquer forma, decidimos que o melhor era procurar uma oficina onde pudessem efectuar a reparação.
O resto da linha era bem mais complicado de prospectar pois eram cerca de 400 m de vinha perpendiculares à linha. Ao princípio ainda entrávamos de 3 em 3 fiadas de vinha, pois era o máximo que conseguíamos ver, mas os corredores eram cada vez mais longos e distantes da linha, pelo que para avançar apenas 2 ou 3 metros tínhamos de andar uns 50 m. Começamos então a passar por baixo dos arames de suporte. Isto dificulta a prospecção pois estamos constantemente a baixarmo-nos para passar por baixo e mal nos levantamos temos praticamente que nos baixar novamente para passar no seguinte. É melhor do que ir ao ginásio! A vontade de gatinhar por ali fora não deixa de nos passar pela cabeça. Pena estar tudo enlameado. Com as pernas doridas, finalmente encontramo-nos com a Julieta e regressamos a Figueira de Castelo Rodrigo em busca duma oficina. O senhor diz-nos que se trata do parafuso que segura o alternador, que perdeu a porca. Encontrada uma que sirva, é novamente atarrachado. Já com a carrinha sem ruídos, vamos para a residencial.
Jantamos ali perto. Para sobremesa servem-nos um doce da casa mas em vez de leite condensado com bolacha e natas, tinha também um pudim flan no fundo! Nunca tal tínhamos visto!
Depois do jantar a Julieta foi à Guarda buscar a Carla.

19 Jan. 2010:
Saímos cedo como normalmente. A Carla fica a prospectar uma linha perto da estrada e eu vou com a Raquel ver uma linha em Almofala.
Começamos perto de um monumento chamado Cruz do Roquilho, uma cruz em pedra que assinala uma antiga via de peregrinação a Santiago de Compostela. No meio da vegetação, a Raquel quase pisa uma codorniz escondida nas ervas! Não andamos muito quando encontramos, no meio de um silvado, as penas e ossos de uma rapina. Estão muito deteriorados para perceber do que se trata… Debaixo de aguaceiros vamos caminhando até entrar uma zona queimada e onde observamos algo que nunca tínhamos visto: amoras carbonizadas! Estão sob as silvas, pretas e rijas! Deixam na mão e no papel os típicos riscos de carvão. Sempre achei que iriam arder e não ficar com aquele aspecto! Um pouco mais à frente, uma asa de passeriforme. Procuramos em redor mas apenas resta aquele vestígio. Apesar de molhada e incompleta, lembra a de um tentilhão. Chegamos à carrinha e regressamos para apanhar a Carla que tinha também terminado a sua prospecção.
Depois, juntou-se a nós a Julieta que tinha feito uma 3ª linha na direcção de Escarigo.
Após o almoço trocamos equipas. A Raquel e a Julieta fazem a linha de Vermiosa e eu vou fazer a linha de Escalhão-Mata de Lobos com a Carla.
A Carla tinha ido tentar arrancar um dente, mas em vão, como tal, estava a tomar medicamentos para evitar uma infecção e calmantes para uma 2ª tentativa. Estava assim muito sonolenta, pelo que assumi o volante da carrinha e ela o co-piloto, pois já ali tinha estado e reconheceria os caminhos.
Contudo temos dúvidas para sair de Vermiosa. Dentro das povoações a estrada deixa de ser alcatroada e passa a ser em paralelepípedos, pelo que a noção de “estrada principal” se perde. Com a ajuda de um morador, lá encontramos o caminho no sentido pretendido. Como não conheço o caminho e não há indicações na estrada, no primeiro entroncamento, pergunto à Carla se devo seguir em frente. Sim, diz ela, e sigo. Entramos noutra povoação. Sigo pelo que me parece ser o caminho principal, mas dou comigo numa rua sem saída. Pergunto a um senhor se o caminho para Mata de Lobos era por ali. Diz-me que aquele caminho vai lá ter, mas para não ir por ali porque o caminho está muito mau. Que é melhor ir pelo caminho alcatroado. Um rapaz mais novo aproxima-se de nós e diz: sigam-me que eu indico-lhes a estrada para lá. Tenho de fazer inversão de marcha e quando reparo o carro e o rapaz tinham desaparecido! Começo a andar novamente pela aldeia na esperança de o voltar a ver. Paro à entrada de cada rua para espreitar, não vá ele estar à nossa espera. Finalmente encontramo-lo e indica-nos o tal caminho.
Mais à frente, noutro entroncamento, pergunto à Carla: Achas que é pela direita? Sim, diz ela. E a mesma situação se passa de cada vez que passo num entroncamento sem indicações. Começo a desconfiar, pois inicialmente recebia sempre sim como resposta e a partir de certa altura deixo de receber resposta alguma. Quando olho para o lado, a Carla dormia profundamente, com o mapa caído a seus pés e o GPS no colo. Ora bolas! Ela estava a responder inconscientemente! Então e agora, onde estaríamos? Parei a carrinha, apanho o mapa do chão e começo a olhá-lo na esperança de descobrir onde estava, mas havia demasiados entroncamentos… Estava completamente perdida! A carrinha ainda tinha gasóleo, por isso só me restava ir andando até encontrar a próxima povoação e descobrir onde estava no mapa. Pelo caminho encontro um pastor com o seu rebanho mesmo no meio da estrada. Ele bem as tentava afastar, mas o rebanho era tão grande e as ovelhas deslocavam-se como bem entendiam. Ia andando nas abertas que o pastor criava e dei por mim rodeada de ovelhas. Parei. Agora é que não conseguia mesmo sair dali!!
Finalmente as ovelhas seguiram por um caminho de terra batida e pude continuar a viagem. Olhei para o lado. A Carla continuava a dormir…
Outra povoação. Infelizmente não tinha placa à entrada e não havia gente a quem perguntar. Começo a ver linhas de média tensão e tento aproximar-me para ver a numeração. Dou comigo no cemitério… também não era por ali… Volto atrás, sem conseguir perceber onde estava…
De repente, uma voz a meu lado! A Carla tinha finalmente acordado! Andamos mais um pouco e ela diz que lhe parece reconhecer a zona. Entramos num caminho de terra batida, ou melhor, de lama, para tentar chegar aos apoios que vemos adiante, para depois descobrir que afinal não eram aqueles…
Retomamos a estrada de alcatrão. Se a linha vai de Mata de Lobos para Escalhão, talvez em Escalhão seja mais fácil dar com ela. Seguimos viagem para darmos connosco em Figueira de Castelo Rodrigo!, Outra vez!!!
Conclusão um percurso que seria Figueira de Castelo Rodrigo – Mata de Lobos, para depois encontrarmos aí a estrada de Mata de Lobos para Escalhão, e prospectarmos a linha, tornou-se num Figueira de Castelo Rodrigo – Mata de Lobos – voltas e voltas em Mata de Lobos – Estrada Mata de Lobos – Figueira de Castelo Rodrigo – Figueira - Escalhão – Escalhão - Mata de Lobos, para finalmente ficar na estrada que a Carla “procurava”!
A linha está corrigida com antipoisos e salva-pássaros. Como perdemos quase 2 horas nestas voltas, decidimos que o melhor seria cada uma fazer um lado da linha em sentidos opostos. Dado que já não temos muito tempo de luz, optamos por deixar a carrinha a meio da linha. A Carla iria com a carrinha até lá e fazia a prospecção na minha direcção. Eu, quando chegasse à carrinha, pegava nela e vinha buscar a Carla ao início.
Onde fico, não encontro acesso ao primeiro apoio. Tenho de ir dar uma grande volta para conseguir lá chegar. Aviso a Carla que já prospectei aqueles 3 apoios e 2 vãos, já que tive de ir e voltar para poder entrar e sair pelo mesmo sítio. Estava numa zona de pastagens onde a erva era já alta. Quase de debaixo dos meus pés, sai a correr uma lebre. Corre, corre e salta o muro de pedras que delimita o lameiro como se fosse um pequeno obstáculo no seu caminho. Atravessa a estrada e faz o mesmo do outro lado, onde deixo de a ver. O muro tinha quase a altura da minha cintura, pelo que desejei ser lebre e saltá-lo com a mesma facilidade quando lá cheguei.
A Carla diz-me pelo walkie-talkie que afinal não vai prospectar o lado da linha dela pois tem de ir buscar a Raquel e a Julieta que entretanto acabaram a linha delas. Sigo então sozinha, a fazer zig-zags de modo a conseguir prospectar ambos os lados da linha.
Começa a ficar frio e escuro… Ao longe, com os binóculos, vejo aproximar-se a carrinha. A Carla estaciona-a no local combinado inicialmente e começa a prospecção na minha direcção. Deixou a Julieta e a Raquel na ponta da linha e elas vão prospectá-la na nossa direcção enquanto houver luz. Quando nos encontramos, retomamos à carrinha. Está já escuro e por pouco não pisamos um sapo-corredor.
Jantamos perto da residencial. À noite, tentamos descobrir qual é a espécie de ave que a Julieta e a Raquel apanharam. Mas não foi fácil. É daqueles grupos mais complicados, entre petinhas, lavercas e cotovias. As cotovias ficaram logo de parte, pois não têm as penas exteriores da cauda branca. Depois de muita olhar para os guias, concluímos que é uma laverca (Alauda arvensis), já que o dorso tem as penas quase individualizadas, ao contrário do que acontece nas petinhas, com o dorso mais uniforme.

20 Jan. 2010:
Após o pequeno almoço, dividimos uma linha de Escalhão em duas partes. Prospecto com a Carla e a Raquel vai com a Julieta. Depois de pôr as galochas, começamos a prospectar.
Esquecemo-nos de trazer a 2ª chave da carrinha e tanto a Julieta como nós temos de voltar atrás para a apanhar. A nossa linha começa em zona de vinha, perto de pombais tradicionais. 
Felizmente a parte de vinha é curta. É cedo e com o sol as aves vão aparecendo. Vamos observando o chão e com os binóculos várias aves: garças, tentilhões, chapins, piscos-de-peito-ruivo, cotovias…
Ao passarmos uns muros, deparamo-nos com um frigorífico ali deitado no meio do nada. É incrível o tipo de lixo que se encontra por ai espalhado!
Mais à frente, penas brancas. Provavelmente de alguma garça que colidiu com a linha e foi predada por um carnívoro.
Procuramos em redor por mais vestígios, mas nada. Recolhidas as penas, continuamos. Rapidamente chegamos à carrinha e vamos buscar o resto da equipa. Como ainda é cedo, fazemos outra linha antes do almoço. A linha desce na direcção do Rio Águeda. Começo cá em cima com a Julieta, e a Carla leva a carrinha mais para baixo. 
Vamos prospectando e observamos um grifo a voar muito perto de nós. Observo-o com os binóculos e passo-os à Julieta para ver também. Já sem binóculos, olho em redor e vejo uma pena grande. Apanho-a, aproximo-me do apoio para ver o número. Já perto deste, só me lembro de ver pelo canto do olho algo na direcção do meu joelho, com uma boca de cor clara, aberta. Instintivamente, dou um salto para trás e uma cobra cai-me aos pés! Assim que chega ao chão, esconde-se por entre as pedras que ali existiam.
A Julieta, ao ver-me saltar, vem na minha direcção para perceber o que aconteceu. Talvez fosse uma cobra-de-ferradura, já que era grande, escura e parecia ter uma espécie de losangos nas costas.
Deveria estar a apanhar sol em cima das pedras e provavelmente até terá dado sinal de que ali estava, mas eu estava a olhar para cima para o grifo e nem me apercebi de nada. Como se sentiu ameaçada, esta tentativa de mordedura foi para se defender, até porque esta espécie não é venenosa nem possui sequer dentes inoculadores de veneno (diz-se aglifa), não constituindo, por isso, uma ameaça para o Homem.
Nisto, olho para trás e vejo uma carcaça grande de uma ave. Estava mesmo ao meu lado, mas com a história da cobra nem me apercebi à primeira. Ainda estava bastante inteira e percebemos que é um milhafre-real. Juntamos todos os indícios, tiramos fotos e seguimos caminho.
Almoçamos feijoada e febras em Escalhão. Pela primeira vez em meses está sol e temos calor! Já de barriga cheia, seguimos para a última linha do dia. É uma linha que já foi corrigida com mangas e espirais. Fico com a Carla no olival e elas seguem. A primeira parte faz-se relativamente bem. Ao contrário do esperado, já que a linha está corrigida, encontramos penas de uma rapina junto a um apoio e que tinha sido predada por um mamífero. As penas estão muito espalhadas e algumas até foram arrastadas para dentro de buracos existentes nos muros que rodeiam as oliveiras. Mais à frente o percurso complica-se. Continua a ser olival mas desta vez em socalcos e a subir. Os socalcos são demasiado altos para trepar, obrigando-nos a dar grandes voltas para conseguir subir para o patamar superior e para prospectar apenas mais 15 ou 20 m… Cansadas de andar para trás e para diante, tentamos trepar um socalco mais baixo e com alguns buracos no muro. A Carla sobe primeiro, ao fim de algumas tentativas, e depois ajuda-me. Dá-me a mão na parte final, mas um dos meus pés escorrega no musgo, levando-a a desequilibrar-se também. Com a sensação de que ia cair de costas completamente desamparada (e provavelmente levar com a Carla em cima!), agarro-me ao chão de tal forma que ficaram as marcas na terra. Mas não cai! Desistimos de trepar socalcos porque se revelou muito perigoso. Mais à frente, uma zona de vinha, mas felizmente é curta.
Numa zona mais alagada, encontramos penas da zona do peito de um passeriforme, pelo que a identificação não é possível na altura.
Chegamos à carrinha, após passar zonas com muito lixo.

Já é quase de noite e seguimos a linha para apanhar a Julieta e a Raquel, mas não é tão fácil como parece, pois existem diversos caminhos de terra por ali. Já todas juntas, questionamo-nos qual será o melhor caminho, para sair dali, sem atolarmos a carrinha. Encontramos um jipe que parece conhecer bem a zona e decidimos segui-lo. Apesar das derrapagens na lama, regressamos à estrada que queríamos!
Regressamos à residencial para tomar um merecido banho e tirar a lama de cima.

21 Jan. 2010:
Encontramo-nos mais uma vez na sala de pequeno-almoço. A Carla aproveita para arranjar um farnel já que vai regressar a Leiria, para arrancar finalmente o dente. Tem andado tão sedada que até se troca toda e pergunta “Eu já tomei os documentos?”
Vai fazer vários transbordos, em vários meios de transporte. Nós tememos que adormeça algures e não consiga chegar ao destino… Deixamo-la na paragem de autocarro em Figueira de Castelo Rodrigo, juntamente com uma velhota. Ainda nem invertemos a carrinha e já são grandes amigas! Isto de viver em terras mais pequenas é assim…
Começamos por fazer uma linha em Freixeda do Torrão. O terreno é de fácil progressão, apesar de termos a impressão de que nos encontramos dentro de uma pastagem de gado bovino… Atentas vamos avançando. Há zonas bastante alagadas, mas quando saímos do carro não nos apercebemos e deixámos lá as galochas.
Algumas zonas têm plantações de árvore em corredores, sendo estes “altos” os únicos locais onde as botas não ficam submersas. Contudo, as árvores “empurram-nos” quando tentamos passar! Os ramos avançam à nossa frente e empurram-nos na direcção da água, algo que queremos de todo evitar. A Raquel diverte-se a filmar-me nestas aventuras.
Mais à frente encontra as penas de um passeriforme. Estão molhadas e não conseguimos perceber o que são. Recolhemos e continuamos até encontrar a Julieta. Seguimos as 3 a prospectar o lado que falta até à carrinha.
Ainda antes de almoço fazemos uma linha em Almendra, onde recolhemos penas de uma pega-azul e alguns ossos mais à frente. Encontramos um pastor a quem perguntamos se costuma ver aves mortas por ali. Como passam muitas vezes no mesmo sítio e passam horas no campo, são sempre bons conhecedores destas situações. Diz-nos que nunca viu aves mortas ali, apenas um melro-preto morto perto do café onde costuma ir.
Ao longe sobrevoa um milhafre-real, e mais perto vemos felosas-do-mato e um picanço-real.
À tarde fazemos uma linha em Malpartida. Agora levamos as galochas! Não nos enganam outra vez!
Deparamo-nos com um rebanho de ovelhas a pastar. Nunca pensei que fossem tão assustadiças! Mal nos aproximamos começam a correr para longe. Falamos com o pastor, mas não nos ajuda em nada… Mais à frente, campos lavrados! Mais uma vez, enterramo-nos até ao meio da perna e é muito difícil progredir no terreno, pois faz uma espécie de sucção na bota e temos de ter cuidado para não ficarmos descalças! A Raquel filma-me novamente! A Julieta comunica connosco. Paro para falar com ela e perceber onde ficou estacionada a carrinha, mas temo não conseguir lá chegar, pois sinto-me a afundar lentamente. Com esforço lá me desenterro. Pelo caminho vemos uns amontoados de lagartas peludas. Lembram a processionária-do-pinheiro, embora sejam totalmente escuras. Questionamo-nos se estarão relacionadas com os carvalhos.
Entramos numa zona com pedreiras. Parecem desactivadas mas dão um aspecto sinistro à paisagem castanha. Encontramos penas e ossos que não somos capazes de identificar. Ajudamos a prospectar uma parte da linha da Julieta, mas uma vez que está a ficar escuro, decidimos voltar à carrinha e ir buscá-la. Mas a tarefa não é assim tão óbvia. Damos com muitos caminhos que terminam em áreas de gado com portões que nos obrigam a voltar atrás, ou então em pedreiras… Com receio de nos perdermos da linha, regressamos para perto dela onde, entretanto, a Julieta chega também.
Cansadas, regressamos a Figueira para apanhar os voluntários para o dia seguinte: o Eduardo Realinho e a Vanessa Mata. No caminho temos ainda a sorte de ver uma fuinha a atravessar a estrada ao fundo!
A viagem até Mogadouro é longa, em estradas cheias de curvas e estamos cansadas do dia de trabalho. Só nos apetece um bom banho quente e jantar. Chegadas à residencial, deparamo-nos com uma enorme escadaria pela qual temos de levar as malas. Fico com a Raquel num dos quartos, o Eduardo noutro e a Vanessa e a Julieta no terceiro. Mas ainda nem estamos instalados quando temos de trocar! A senhora diz-nos que o quarto individual (apesar de todos terem 2 camas!) era onde eu e a Raquel estávamos! Trocamos com o Eduardo que estava no quarto “duplo”. O quarto estava um gelo, apesar de ter ar-condicionado. Quando pegamos no comando para aumentar a temperatura, a senhora retira-o das nossas mãos e diz que já preparou tudo e que os quartos já vão começar a aquecer. Diz-nos para não mexermos nos comandos nem no ar-condicionado porque podemos estragá-los!
Assim que sai, volto ao comando. Indica que estão 10º C dentro do quarto! Tão frio como lá fora! Aumento a temperatura e dirijo-me à janela para fechar as persianas, que descubro serem inexistentes! Mas ao menos vejo a razão para tanto frio: a janela estava aberta! Estou a fechá-la quando a Raquel me pergunta se já olhei bem para a casa-de-banho. Era minúscula e tinha o lavatório mais pequeno que alguma vez tinha visto! Parecia aqueles da creche! E não nos conseguíamos sentar na sanita como deve de ser, só de lado, já que a divisão era tão estreita que o lavatório estava instalado em frente à sanita. Era impossível que alguém mais forte ali coubesse! Mas as maravilhas não acabavam aqui! Por cima do dito lavatório havia um pequeno armário com espelho. Mas estava pendurado tão alto que a única coisa que se via era a nossa testa!
O poliban era nas mesmas proporções do resto: quadrado com cerca de 50 cm de lado e com uma cortina. Ainda me questiono para que servia o suporte de toalhas do bidé se não existia nenhum…!
As toalhas eram cada uma de sua nação e pareciam feitas de papel. Eram tão finas que receei que se fossem rasgar quando molhadas!
O quarto tinha ainda um armário sem maçanetas e uma das portas não abria por estar trancada, e não tinha chave, assim tivemos de pôr tudo apenas de um lado e depois empurrar para ter mais espaço!
Com a esperança de que o quarto aquecesse entretanto, fomos jantar ao restaurante do andar de baixo. A entrada era por uma espécie de bar/tasca com uma enorme mesa de bilhar a imitar mármore. Nunca tínhamos visto algo assim.
Quando perguntamos se ainda servem jantar, olham-nos com o ar mais estranho que conseguem… Dizem que vão ver o que se pode arranjar! Então, mas se era hora do jantar e aquilo era um restaurante, não percebemos o porquê de não terem nada… Seguimos atrás da senhora para a divisão ao lado que estava às escuras. Conhecedora do espaço, avança sem problemas, enquanto a tentamos seguir sem chocar com possíveis mesas ou cadeiras que existam no caminho. Finalmente acende-se a luz. A sala era enorme e, tal como o andar de cima, estava um gelo.
Sentamo-nos e perguntam-nos se estamos interessados em ver televisão. Respondemos que sim, até porque eram horas das notícias. Vem um rapaz, puxa a cadeira em frente da Julieta, sobe para ela e liga a TV que era por cima da nossa mesa, saltando de seguida para o chão.
Ainda têm sopa e costeletas para fazer para o jantar. Aceitamos. A Vanessa, vegetariana, pergunta se lhe podem fazer uma omelete. Dizem-lhe que não têm ovos… Depois reconsideram. Têm ovos mas já estão cozidos. São os que sobraram da hora do almoço. Ela aceita. Pergunta também se a sopa leva carne. Dizem que não e então vêm as sopas para a mesa. Mas a sopa devia ser do cozido, já que sabia imenso a chouriço… Será que não consideram o chouriço como sendo carne ou esqueceram-se? Enquanto esperamos, reparamos que os talheres são cada um de sua nação…
De seguida vêm as ditas costeletas. São grandes, mas estão cheias de gordura e nervos… Comemos o que conseguimos... Para a Vanessa veio um ovo com o mesmo acompanhamento de salada, arroz e batata frita da nossa carne. Mas um ovo frio, directamente do frigorífico…
Ninguém quer sobremesa com excepção da Raquel que pede uma mousse de manga. Trazem-lhe a mousse mas nada de colher… Por sorte não comeu sopa e pega na colher para comer. Rimo-nos com tudo isto, pois não acreditamos estar a viver tal situação! Mas aí, trazem-lhe uma colher de sobremesa. O cabo era daqueles de plástico e tinha a ponta roída, como se fosse uma caneta… A Raquel olha incrédula para a colher… Será que no enorme armário que ali têm não existia outra colher melhor que lhe pudessem ter dado?
Respira fundo e diz: “Ao menos não está roída no sitio onde vou pôr a boca!”.
Pagamos e voltamos aos quartos no andar de cima, mas sempre através da rua, pois não há ligação interna.
Sem espaço para conviver, cada um ruma ao seu quarto.
O quarto estava já mais quente: 14ºC. Mas continua frio para quem quer dormir confortável. Mais uma vez, pego no comando do ar condicionado, já que este não estava a emitir ar quente, mas sim ar frio! Na tentativa de descobrir como funciona, desligo-o sem querer e descobrimos que dá musiquinhas diferentes consoante o que se lhe pede! Para ligar, faz um barulhinho crescente. Já para desligar, o barulhinho é decrescente. Nos outros quartos ouvimos os mesmos sons! Rimo-nos porque imaginamos que eles estejam a fazer exactamente o mesmo que nós!
A cama da Raquel rangia que se fartava. Mais tarde lembramo-nos que será devido ao facto do ar condicionado estar por cima dela. As pessoas devem ter sempre este tipo de problema com este ar condicionado e sobem para ela para ver se o ar que sai é quente ou frio!
Não conseguimos que o aparelho faça o que queremos. Tanto dá ar quente como de seguida ar frio sem lhe pedirmos nada! E de certeza que não atingiu a temperatura máxima, já que esta era de 30º C!
Começamos a achar que provavelmente alguém controla o ar condicionado de fora, para os hóspedes não gastarem muita electricidade e que os comandos são apenas fictícios…
Cansadas e sem solução para o problema, pomos os cobertores todos que temos disponíveis na cama e decidimos deitarmo-nos. Com o passar do tempo a temperatura atinge os 16º C! Dado o frio que estava, decido dormir com as collants. Sinto-me idiota em vesti-las para dormir quando durante o dia, na RUA, não está frio para isso…

22 Jan. 2010
Acordo cheia de dores musculares de ter dormido tão encolhida. A temperatura, mesmo após tantas horas com o aquecimento ligado, não ultrapassa os 18º C.
Saimos com as tralhas todas para tomar o pequeno-almoço. O sol ainda está a nascer. Ali perto encontramos um café já aberto onde tomamos o pequeno-almoço e discutimos as “aventuras” dos quartos. O Eduardo diz-nos que o quarto dele era interior, que tinha grades e que dava para o corredor de uma casa em vez de para a rua!
Seguimos para a zona do Rio Sabor. Fico a fazer uma linha perto de Castro Vicente com a Vanessa enquanto a Raquel e o Eduardo vão fazer outra mais perto do Sabor.
Faço o primeiro vão sozinha, já que tenho de ir e regressar ao mesmo local. Enquanto isso a Julieta vai explicando tudo à Vanessa e ao Eduardo.
Quando regresso, começo com a Vanessa. Atravessamos olival e matos até nos depararmos com uma ribeira. A vegetação ripícola é demasiado densa para passar e a água corre com alguma velocidade. Não encontramos local sem vegetação para passar, por isso tentamos enfiar-nos numa espécie de trilho, provavelmente utilizado pela fauna local. Depois de conseguirmos afastar as silvas, descemos agarradas às árvores. A chuva que se faz sentir torna a terra escorregadia. Ajudamo-nos mutuamente e lá conseguimos atravessar a água. Do outro lado, começamos a subir a serra enquanto a chuva vai engrossando.
Numa zona de estevas, encontramos penas. Estão encharcadas e bastante dispersas, provavelmente arrastadas pela chuva. No vão seguinte, uma asa inteira de um passeriforme. Procuramos em redor mas não vemos mais nada. Terá de servir para a identificação quando secar. Chegamos ao topo do monte. Com os binóculos, vemos a carrinha do outro lado, mas o caminho até lá é muito íngreme, pois obriga-nos a descer o vale e voltar a subir do outro lado. Optamos por ir pela povoação. Pelo caminho encontramos a Julieta que vinha a prospectar na nossa direcção. Debaixo de chuva, encaminhamo-nos para a carrinha para ir apanhar o resto da equipa.
Pelos walkie-talkies comunicamos com a Raquel para percebermos onde os apanhar. Subimos uns trilhos de terra batida para localizar os pontos de referência que nos indicam.
A dimensão da encosta não facilita o encontro, mas ao fim de algum tempo lá damos uns com os outros.
Passamos novamente a ponte de Remondes e a Julieta deixa-nos lá em cima, do outro lado da encosta, já que é mais fácil prospectar a descer, do que a subir. Desta vez vou com o Eduardo. A linha percorre uma zona de pastagens e olival em socalcos. Ainda não andamos muito quando encontramos umas penas que recolhemos. Vamos descendo os socalcos feitos com muros de pedra. Alguns estão já em muito mau estado e desabaram com o peso das terras e da água. A parte final é a mais complicada, pois os terrenos estão abandonados e o mato e as silvas tomaram conta dos mesmos, mas conseguimos chegar lá abaixo sãos e salvos!
Vamos ter à carrinha e apanhar a Raquel e a Vanessa. Já é tarde e estamos cheios de fome. Dirigimo-nos a Mogadouro em busca de quem que nos sirva almoço às 3 da tarde!!
Paramos numa rua cheia de restaurantes e residenciais, mas nenhuma delas servia almoço. Contudo, indicam-nos uma pizzaria não muito longe dali, onde acabámos por comer, e muito bem!
Já mais descansados e sem fome, regressamos a casa após uma semana de trabalho.

Uma molha nunca vem só...

Narrado por Carla Veríssimo, com os contributos de Julieta Costa, Rita Moreira e Nuno Luz. Fotos de Carla Veríssimo.

27 Dez. 09:
Época de Natal. Festejo-o em família no Alentejo.
Parto por volta do meia-dia e faço três horas e meia de viagem até Leiria.
Das quatro às sete e meia tenho tempo de arrumar todas as bagagens: as que ficam e as que vão para mais uma semana de trabalho de campo.
A Julieta chega entretanto e temos como destino, Miranda do Douro!
Vamos sozinhas até ao Porto, onde o Tiago Carvalho se junta a nós como voluntário.
A Rita vinha com outro voluntário - o Nuno Luz. Saíram de Lisboa por volta do meio-dia, de malas, mochilas e mapas na mão!
Uma pesquisa na internet tinha indicado que o caminho mais curto e mais rápido era atravessar a fronteira e entrar em Miranda por Espanha, e até lá, de facto, não houve qualquer dificuldade, o problema foi depois, já noite, em Espanha, com chuva por vezes intensa, e eles perdidos!! E tais eram os becos sem saída, que quando deram conta estavam dentro de uma garagem particular!!, com uma mota estacionada e roupa estendida!
Depois da ajuda da dona da casa e mais umas quantas voltas em estradas de terra batida, lá encontraram o caminho certo.
Já passava das 22 h, quando chegaram, finalmente!! Procuraram um local para jantar. Contudo, os restaurantes já estavam fechados ou a fechar e diziam que não serviam àquelas horas...
Debaixo dum grande aguaceiro, correram para o jipe e seguiram viagem para a residencial, na esperança que lhes servissem tostas ou sandes.
A residencial tinha bastante gente e provavelmente seria um dos poucos locais ainda abertos àquela hora. Pediram tostas e um chá quente para aquecer.
Eram 23h30 quando finalmente foram dormir.
Eu, a Julieta e o Tiago, jantámos no Porto e partimos pelas 22h30.
Na zona do Marão deparámo-nos com nevoeiro e blocos de gelo na berma da estrada.
Depois seguimos até Bragança e descemos para Miranda. Uma volta enorme....
A Residencial era na Estrada Nacional que liga Miranda a Mogadouro... Ainda tínhamos de andar mais um pouco. E de facto, andámos, andámos, e da Residencial nada... começámos a achar que não podia ser tão longe... Àquela hora não havia pessoas nas ruas para pedir informações. Continuámos a andar. Por fim, lá chegámos a um sítio cheio de carros estacionados e algumas pessoas. Parámos.
Estávamos em frente à Associação Cultural dos Pauliteiros de Miranda. O Tiago saiu da carrinha para perguntar onde era a Residencial. Disseram que eram em Sendim, a uns 9 km dali...
Lá fomos. Quando cheguei só pensava num banho quente para relaxar o corpo, descansar e dormir.
Deitámo-nos às 3h30 da manhã...
Portanto para quem iniciou uma viagem ao meio-dia, poder deitar-se às 3h30 da manhã, quase non-stop, é bom, não é?!...

28 Dez. 09:
De manhã, nem consigo saltar da cama, tal era o jet lag...
A Julieta sai do quarto às 8 e peço-lhe que me chame no fim do pequeno-almoço. Prefiro não comer e dormir um pouco mais.
Só às 10 horas me consigo recompor.
Às 11 eu e o Tiago já estamos a prospectar uma linha em galhardete e a Rita e o Nuno uma em triângulo, em Fonte d´Aldeia, perto de Sendim.
A Julieta deixa-nos e vai começar a prospecção pelo outro lado da linha.
Desta vez, com a carrinha das Linhas e o jipe do Nuno, a prospecção deve ser mais rápida!
Chove. De precaução quando calço as botas, meto logo uns sacos de plástico, para adiar os pés molhados, mas os lameiros estão encharcados e em certas partes as botas começam a ficar enterradas na terra ocre e ouve-se um shlof shlof...
O Tiago diz que não usa as botas dele desde o 12º ano, e que são novas...
Pergunto-lhe se já estão a deixar entrar água. Diz-me que não, e então digo-lhe Ainda bem, mas se lhe tens muito amor, aviso já que vão ficar muito sujas...
Chegamos a uma zona de bosquete onde perdemos algum tempo a observar vários passeriformes. Tento fotografar, mas as alvéolas e os tentilhões não param...
Mais uns passos e a máquina dispara para umas estevas e zimbros, característicos da paisagem, juntamente com as giestas, os bosques de sobreiros e azinheiras, as vinhas e os planaltos com aproveitamento agro-silvo-pecuário.
O primeiro cadáver é encontrado no meio do cascalho e da terra ensopada. Chamo o Tiago para ver e explico-lhe o procedimento.
Tem as asas, a quilha, penas e pouco mais. É um passeriforme, mas as penas estão tão molhadas que não consigo identificar.
O Tiago encontrou ainda um osso de mamífero, que atiro para fora da zona da prospecção de modo a não haver confusões futuras.
Entretanto, no céu um milhafre-real, com a sua cauda tipicamente em forma de rabo de bacalhau, que vira e revira continuamente.
A Rita e o Nuno ainda não tinham andado muito quando encontraram uma petinha morta no chão. Parecia uma petinha-dos-prados (Anthus pratensis) mas estava de tal modo ensopada que era difícil confirmar. Tinha morrido recentemente por colisão e ainda estava intacta. Recolheram, anotaram tudo o que era necessário e seguiram. Algumas zonas estavam de tal modo alagadas que era impossível prospectá-las. Um pouco mais à frente, junto a um apoio, encontraram um dos isoladores partidos no chão e algumas penas presas no silvado junto à base do mesmo. Começaram a achar que aquela era uma linha perigosa. Ainda só tinham andado 400 m e já 2 aves mortas!
Apanharam as penas ensopadas e alguns ossos em redor. Penas daquele tamanho indicavam ser de rapina, mas estavam tão encharcadas e sujas que não era possível perceber qual seria. A Rita espreitou por entre o silvado e no fundo viu uma pata! Felizmente o Nuno tinha trazido uma tesoura de poda e a muito custo lá conseguiu apanhá-la. A pata era enorme e tinha penas até baixo, o que reduzia logo o número de espécies possíveis. Tinhas umas garras também enormes e fechadas sobre si mesmas. O interior da pata estava escuro. A ave deve ter morrido electrocutada no apoio. Enquanto a Rita fotografa e apanha mais ossos e penas, o Nuno continuava à procura do crânio. Tinha de estar por ali e não ia desistir enquanto não o encontrasse. Deu a volta ao silvado e começou a cortar. E eis quando a Rita ouve: “Encontrei!”. O crânio era enorme e estava já totalmente limpo.
Mais à frente encontraram uns postes que não correspondiam à numeração que estavam a seguir. Havia um cruzamento de linhas e provavelmente a numeração era da outra linha. Os registos na ficha de campo eram cada vez mais complicados devido à chuva que caía.
Entraram num campo lavrado. A terra solta, com toda a água da chuva, estava transformada em lama. Era muito difícil avançar naquele terreno, pois estavam constantemente a enterrar-se.
Toda a linha estava sobre lameiros, pelo que era necessário saltar muros constantemente. Avançaram até uma ribeira, agora transformada num rio com corrente. Tentaram encontrar um local para passar, mas era muito larga. Viram-se obrigados a voltar para trás na esperança de encontrar passagem. A única solução era trepar um pouco as raízes de uma árvore, agora descobertas pelas forças da água e tentar saltar para o outro lado. Um pouco de coragem, balanço e um salto, mas sempre com receio de caírem dentro de água! Aterraram do outro lado! Já estava!
Já noutro lameiro, deparam-se com vacas a meio do terreno. Elas olham com alguma curiosidade, e eles olham para a distância a que estão da árvore ou muro mais próximos!!
Mas claro elas continuaram a pastar.
Ao almoço, antes de entrar no restaurante tiro as botas enlameadas e encharcadas e troco de meias.
Os sacos de plástico ajudaram um pouco, mas não são a solução para o problema.
Eu e a Rita comentamos que deviam inventar umas botas de campo como as de borracha: totalmente de plástico e impermeáveis, mas com todo o conforto, maleabilidade e aderência das de campo.
Talvez façamos uma patente!
Comemos uma alheira, típica de Miranda do Douro, e não de Mirandela!! Nada de confusões!
À tarde faço par com o Nuno. A Julieta deixa-nos perto de uma aldeia chamada Duas Igrejas, ou como se escreve em Mirandês: Dues Eigreijas.
Estamos em terras dos Galadum Galandaina.
Começamos a linha por um lado e o Tiago e a Rita por outro.
Ainda não parou de chover. Já só temos uma hora de luz, por isso a Julieta posiciona-se num apoio a meio da linha e progride na direcção deles, para conseguirmos pelo menos fazer metade da linha.
A Rita e o Tiago deparam-se novamente com campos lavrados, nos quais se enterram, por vezes, até aos joelhos. Os pés estão irreconhecíveis, parecem uns bolos de lama pesados e enormes.
A chuva intensa perturba a visão ao longe e têm muita dificuldade em perceber se vão encontrar um caminho enlameado ou um ribeiro. A inclinação dos terrenos e a água que corre neles leva a crer que será um ribeiro, mas como nos caminhos também corre muita água, torna-se quase indiferente ir por um lado ou outro. Só quando tentam passar percebem que a corrente é tão forte, a vegetação ripícola tanta e a largura tão grande, que é impossível atravessar. Não encontram como chegar à outra margem e desistem.
Vão andando pelo caminho (mais ribeiro que outra coisa!), na esperança de chegar a alguma estrada onde os possam apanhar.
Entretanto encontram uma ponte improvisada!, e apesar de encharcados, decidem continuar a prospectar a linha, para ter algum rendimento.
A quantidade de água dificulta observar o chão e mesmo que lá existam vestígios, o mais provável é terem sido arrastados pela água… Finalmente encontram a Julieta!
Eu e o Nuno, do nosso lado, atravessamos uma ponte, debaixo da qual passa um rio cor de lama, já que as terras estão todas encharcadas e a água vai colorando.
Só conseguimos fazer 5 apoios. Os terrenos estão por demais aguados e enterramos as botas a cada passo. Desistimos... Voltamos para trás, a corta-mato, em direcção à aldeia.
No fim de passarmos os lameiros, os nabos inundados de alguma Dona Teresa e de filmarmos as águas de um rio, que corriam com uma força brutal, chegamos a um caminho, onde perguntamos a um senhor se há algum café por ali.
Sempre com chuva a cair, ele responde-nos que há um a 200 metros.
Andamos, andamos, os carros passam e além da chuva que nos cai em cima levamos com a água do chão, que se levanta à velocidade e proximidade que passam da berma...
E do café, nada. Definitivamente o senhor não sabe o que são 200 metros!
Devemos ter passado a aldeia toda e café, nem sinal. Das duas igrejas de Duas Igrejas, também só vemos uma...
O Nuno só dizia: De facto só perguntámos se havia algum café. Não perguntámos se estava aberto!
Por fim chegamos onde? À Associação Cultural dos Pauliteiros de Miranda!!
Exactamente! Onde estivemos na madrugada anterior!
Estava aberta!
Entrámos. O jovem atrás do balcão disse-nos para fecharmos a porta, que tinha o ar condicionado ligado, mas como esperávamos pelo resto da equipa, não sabíamos se teríamos tempo de pedir alguma coisa. Primeiro pedimos um chá. Depois vimos luzes de um carro lá fora, que julgámos serem eles e cancelámos o pedido. Saímos.
Afinal não eram e voltámos a entrar. O rapaz voltou a dizer-nos para fecharmos a porta!
Voltámos a pedir um chá. Quando ele se vira para aquecer a água, a luz vai abaixo!
O Nuno diz em tom de gozo: Pode ser um chá gelado, não faz mal!!
Mas rapidamente a luz volta. Pergunta-nos que chá queremos. O Nuno pede preto. Eu não quero.
O rapaz vira-se para os chás e não sabe qual é o preto. Há um manancial de chás na prateleira! A teoria do Nuno é a de que como a população local é idosa, o que mais servem são chás!
Continuamos na brincadeira. Mais vale gozar com a situação. Estamos ensopados. O Nuno diz que amanhã temos de fazer linhas de escafandro!
Rio!
Rio de rir e rio de água!!!
Entretanto chegam os outros. O Tiago estava todo encharcado e não tinha trazido mais mudas de calças nem calçado.
Perguntam ao senhor do café onde podiam ir comprar galochas e calças impermeáveis. Indica-lhes uma loja que vende de tudo.
Quando chegamos à Residencial, tiramos finalmente a roupa molhada.
Aliás, acho que só temos os dentes secos!! E como estão dentro da boca, ainda assim são húmidos, da saliva!!
A bolsa da máquina fotográfica está ensopada. Penduro os casacos impermeáveis no candeeiro por cima das camas, umas camisolas e umas calças numa cadeira e para o resto da roupa faço um estendal com as fitas dos cortinados da janela. O estandarte é digno de fotografias!
Até a máquina está cheia de gotas de água, ligo-a e desligo-a intermitentemente de forma a limpá-la o melhor possível.
Tiro do bolso do casaco a ficha de campo, toda molhada e amarfanhada.
A Julieta abre-a com muito cuidado e deixa a secar o que chama de palimpsesto! E de facto, aquela “coisa”, é um autêntico manuscrito sobre o qual não vamos escrever de novo, nem raspar, porque se não desaparece, mas no qual desejamos arduamente fazer reaparecer os primitivos caracteres!!
No fim do banho (mais água, portanto!, mas agora quente e reconfortante!), jantamos no restaurante da Residencial.
Quando voltamos ao quarto espalhamos os ossos e penas da rapina que a Rita e o Nuno encontraram. Medimos, fotografamos e discutimos na tentativa de a identificar. Começamos por procurar nas rapinas diurnas, já que raramente encontramos rapinas nocturnas mortas nas linhas. O guia não nos esclarece muito. Passamos à Internet. Desconfiamos de águia-calçada, mas as medidas do crânio não batem certo. Começamos a questionar se será uma rapina nocturna. Tem penas até às garras.
Um bufo-real! É um bufo-real! As medidas indicadas no guia batem certo com as do crânio que temos em mãos. Está identificado!





29 Dez. 09:
Depois do pequeno-almoço, vamos de Sendim em direcção a Póvoa - Ifanes, onde temos mais uma linha, à chuva, à nossa espera...
Pelo caminho tento dormitar, mas quando ouço a Julieta e o Tiago a comentar os campos todos inundados, abro o olho e desperto mal vejo o espectáculo lá fora. Meto a máquina em disparos contínuos e não paro de carregar no botão.
Campos de futebol com o relvado cheio de água, uma garça-vermelha na beira de um lago, nos baixios a água forma rios largos e compridos, e onde não há esses rios, há poças de água, há água a escorrer muros abaixo, no meio dos campos, enfim, em todo o lado. Basicamente não há grão de terra que esteja seco!
Ao atravessarmos Duas Igrejas reparamos na ponte onde a Julieta me tinha deixado a mim e ao Nuno no dia anterior e o rio já não passa debaixo dela, mas sim ACIMA!!!!
O caudal aumentou tanto, que quase não a reconhecíamos!
A Rita e o Nuno ficam do lado da Póvoa, e eu e o Tiago do lado de Ifanes.
A Julieta pede-me para ir ver o número de um apoio junto à estrada e que pode ser considerado o meio daquela linha. Digo que vem lá um cão e que tenho medo. Ela diz-me: O quê? Tens medo daquela meia leca?!
Lá vou eu, de rabo entre as pernas, cheia de medo. Não suporto cães. Sejam grandes ou pequenos, tenho sempre medo.
Enquanto grito Apoio 17, ela e o Tiago riem de dentro do carro a ver-me amedrontada e cautelosa.
O cão acaba por seguir na estrada e eu lá entro rapidamente na carrinha.
A Julieta deixa-nos em Ifanes e vai prospectar desde o apoio 17 na direcção do Nuno e da Rita, que se deparam novamente com campos lavrados! Primeiro caminham nas zonas onde existe vegetação a crescer já que as raízes e as folhas podem garantir melhor suporte. Mas não serve de nada. A vegetação é ainda escassa e o solo está muito mole… Tentam caminhar nas zonas mais baixas, já mais compactadas, onde não se afundam tanto, contudo, têm tanta água que molham as botas! Nenhuma das hipóteses parece boa para progredir e todo o terreno é traiçoeiro! Tanto podem enterrar apenas a sola da bota como se podem enterrar até aos joelhos! A Rita já só via o Nuno a diminuir a cada passada tal era a forma como se afundava!
Finalmente passam para um olival e umas pastagens, onde a terra é mais sólida e permite caminhar. A Rita encontra umas penas novamente encharcadas, de tal modo que só se via a ráquis. Apanha-as e faz o registo debaixo de chuva cada vez mais intensa. Abrigam-se sob uma azinheira que existia num terreno vizinho. Assim parados começam a ter frio, por estarem ensopados. Quando a chuva abranda retomam a prospecção. Mas os terrenos seguintes estavam alagados e a chuva começava novamente a cair. Desistem fazendo corta-mato até à estrada mais próxima.
Seguem de carro tendo sempre em atenção a localização da linha. Mais adiante encontram a Julieta a prospectar na direcção deles. Estacionam o jipe e continuam com ela até chegar a novos campos lavrados que obrigam a retomar o caminho de volta aos veículos.
Comunicam comigo e com o Tiago para saber onde estávamos e como nos podem ajudar. Quando finalmente nos encontramos, estou com os pés descalços no alcatrão, de meias e galochas na mão e começo a contar o que nos aconteceu:
Não parava de chover. Assim que começámos demos logo com um rio impossível de atravessar. Desviámo-nos.
O Tiago pergunta-me se tenho alguma coisa que se coma.
Mostro-lhe o que tenho: dois pedaços de pão muito pequenos, com um resto de vitela do jantar da noite anterior e uma fatia de bolo-rei.
Pergunta-me de quando é o bolo-rei.
De domingo, respondo.
Aceita, e eu começo a comer o pão. Mas de repente vejo um pica-pau e fico tão excitada que na confusão de agarrar binóculos, passá-los ao Tiago e tirar a máquina para fotografar, devo ter deixado cair o pão, porque não me lembro de o ter comido todo, e nunca mais o vi...
Já do outro lado do rio, começa a chover ainda com mais força.
Era suposto prospectar novamente debaixo da linha, desde a margem do rio até ao apoio seguinte, mas com aquela chuva dou aquele vão como não prospectado e enfio-me dentro do poste! Sim! Era daqueles de betão, por isso, conseguia pôr-me lá dentro toda encostada, e o Tiago, nos seus 2 metros, quase encostado a mim, para se proteger da chuva, que caía batida na direcção contrária.
Quando acalmou um pouco decidimos continuar, mas entretanto volta a chover com mais intensidade e ao ver uma cabana de madeira grito para o Tiago que ia mais à frente: Vamos para ali abrigar-nos!
Nisto, ouço uns cães do lado de dentro do muro de pedra a ladrar.
Já estão a a ver o meu pânico, não estão?!
E desta vez, asseguro-vos que não eram meias-lecas. Eram cães pastores, enormes e muitos!!
Saltaram o muro e vieram em direcção a mim. Desci da rocha onde estava e juntei-me ao Tiago. Estava em stress. Ele dizia-me para ter calma e continuarmos a caminhar. Eu gania, gemia, choramingava,... até que ele me disse: Dá-me a mão.
E assim lá fomos, de mão dada, sempre com a matilha atrás de nós.
Descíamos muros e os cães desciam também. Nada os detinha.
Como se não bastasse ao chegarmos junto do apoio seguinte, havia penas por todo o lado, o que nos fazia parar para fotografar, tirar o ponto GPS, recolher tudo e fazer os devidos registos na ficha de campo.
O Tiago disse-me: Vá, apanha tudo, que eu fico aqui.
E ficou, como meu guardião, costas voltadas para o apoio, e eu a fotografar, recolher, marcar o ponto, mas sempre de olho nos cães. E ele sempre a tentar acalmar-me: Vá, continua, continua.
Pergunta-me se tenho comida. Digo-lhe que já não tenho mais nada, e acho melhor dar-lhe um pau e umas pedras para as mãos, não vá ser preciso atirar à cabeça de algum cão.
E caso os cães decidam avançar sobre nós, como o apoio é de metal, e portanto fácil de subir, já me imagino a trepar pelo poste acima. E se mesmo assim, eles subirem também, penso que se não morrer comida por eles, morro electrocutada!
Termino de recolher e registar tudo e os cães sem parar de ladrar. Seguimos. E eles seguem-nos.
Sinto que o Tiago também está com medo, mas não demonstra. Já bem chega o meu medo, nitidamente expresso.
Passamos novo riacho que finalmente detém os cães!
Mais adiante a linha volta a cruzar o rio, que desta vez é bem largo e nalgumas zonas corre com muita força. Tentamos uma série de locais para atravessar.
Num deles há passagem por cima de pedras, quase até à outra margem. Apenas no metro final não vemos pedras onde nos apoiar e a água corre a toda a velocidade.
O Tiago vai até lá na tentativa de ver a profundidade desse espaço. Filmo.
Vejo-o a quebrar os ramos de uma árvore, para que consiga fazer passar os seus 2 metros, sem levar com eles na cara, mas eu já a imaginar que se tiver que passar por lá, não tenho onde me segurar, no meu metro e meio de gente, grito-lhe: Eu não sei se é boa ideia partires os paus; e solto uma risada.
Segurado aos ramos, ele mete uma perna à água, que fica bastante emersa.
Pergunto-lhe: É fundo?
Ele parte mais um pau, para medir a profundidade. Já lhe deve ter entrado água para a galocha, e terá percebido que não é com a perna que se mede! A água corre com tanta força que o pau fica imediatamente na diagonal e é difícil medir o que quer que seja.
Começo a rir, novamente, e no meio da risota lá lhe consigo dizer: Acho que... acho que é um bocadinho fundo!
E claro, quando ele me mostra o pau e por onde dava a água, era para aí um bom metro! Portanto, com a minha altura, além de ficar debaixo de água até à cintura, era bem capaz de ir com a corrente...
Continuo a rir... Mas estou a ficar nervosa.
Ele volta para trás. Vamos tentar descobrir outro sítio. Vimos um com uma fileira de árvores quase de um lado ao outro da margem. Onde havia árvores percebia-se que era muito fácil de passar, mas havia, novamente, um espaço sem árvores, onde a profundidade também era grande.
Ao lado havia um tronco de árvore cortado. Era grande, mas ainda assim disse ao Tiago para o tentarmos desenterrar... Não se mexia um milímetro!
Ainda começámos a escavar à volta com outros paus e pedras, mas rapidamente nos apercebemos das nossas figuras! A solução não era aquela.
Tentámos um tronco. O Tiago pôs-se dentro de água e as galochas ficaram logo inundadas... Assim que lançou o tronco à água, este segurou-se um pouco, mas rapidamente foi com a corrente.
Havia um monte de troncos de carvalhos cortados, mesmo ao lado do rio. Começámos a fazer uma barreira dentro de água com eles. No fim de já termos uma estrutura minimamente capaz de nos apoiar, a corrente levou-os...
Se quando encontramos cadáveres de aves isto parece um autêntico CSI, esta tarde estava a parecer um verdadeiro Surviver!!
Começámos a pôr a hipótese de desistir e tentar descobrir outra passagem mais à frente, mas estávamos a atrasar-nos...
Voltar para trás também não se afigurava boa solução, porque teríamos de enfrentar novamente os cães. Estávamos encurralados!
O Tiago tinha visto uma cancela de madeira e disse-me para irmos buscá-la e tentar fazer uma passagem. Estava completamente podre e a cair aos bocados... Mais uma tentativa falhada...
Voltámos junto do rio e disse-lhe para tentarmos uma última vez. Continuámos a pôr os troncos de carvalho à água, mas não tínhamos tempo para estar ali o dia todo a fazer uma passagem...
Tentámos passar então por cima dos que já tínhamos posto, mas era impossível... nem o meu corpo, bem mais pequeno que o dele, se segurava em cima dos paus, e acabei com água dentro das galochas... Já estávamos os dois encharcados. Desistimos.
Concordámos voltar para trás, mas o mais junto à margem possível, de forma a não sermos sentidos pelos cães, que estavam mais acima.
Finalmente chegámos a uma ponte e fomos a corta-mato até à estrada, onde a Julieta nos vinha buscar.
Na estrada, enquanto me descalçava e espremia as meias, mais dois cães a ladrar-nos, mas agora eram mesmo pequenos, ainda assim, tive medo e desta vez fui eu que pedi ao Tiago para me dar a mão!
Fomos almoçar à Residencial, para podermos tomar um banho quente, trocar de roupa e fazer novo estendal! Deixamos o aquecimento ligado e tudo espalhado para secar ao máximo.
À tarde, o Nuno e a Rita foram acabar de prospectar a linha de Duas Igrejas, desde o apoio onde eu e o Nuno tínhamos desistido no dia anterior, até ao apoio onde a Julieta tinha prospectado; e eu, a Julieta e o Tiago fomos acabar de prospectar a linha dos cães!!
O rio continuava sinuoso, curva para um lado, curva para outro, o que nos obrigava a encontrar formas de o contornar.
Numa parte tivemos mesmo de passar por uma ponte na estrada de alcatrão, onde achei piada a uma placa que indicava “Rio”... Meus senhores, qual rio?! Aquilo era mais que um Oceano!
Entre as 5 e as 5 e meia, já com pouca ou nenhuma luz ainda prospectámos até a um apoio, onde a Julieta descobriu uns ossos.
Registámos tudo e decidimos voltar para trás. Já não se via nada bem. Eles achavam que era por um lado e eu por outro... Já estava a ficar assustada, a pensar que ainda nos perdíamos no mato, como se não bastasse de aventuras por hoje!
Por fim, lá demos com a estrada... O Tiago para quebrar o gelo, disse: Já não é desta que dormimos no mato!
Do lado da Rita, mais um terreno lavrado e um rebanho com o seu pastor. Os cães começam a correr na direcção deles, sempre a ladrar. Aproximam-se cada vez mais e eles começam a fazer contas à distância a que estão do apoio. Como é de metal, a ideia de subir em caso de necessidade está bem presente! Felizmente, desta vez os campos lavrados são seus aliados! Os cães param ao chegar à orla dos mesmos. Provavelmente sabem que se vão enterrar tal como eles. Mais descansados e com os cães à distância, seguem caminho.
Não encontram vestígios até ao fim. Apenas mais cursos de água e muita lama.
E mais uma vez encharcados, regressamos à residencial.
Ao jantar eu e e Rita dividimos uma posta sendinense, mas como vinha muito mal passada, dada a grossura, decidimos parti-la às tiras e pedir para passar melhor. Criámos assim um novo prato: Tiras sendinenses!
Antes de dormir ainda voltámos a espalhar os ossos que tínhamos encontrado à tarde e concluímos ser um corvo.

30 Dez. 09:
Temos de fazer contagens de passagens, ou seja, estar duas horas a olhar para um vão entre dois apoios e registar todas as aves (nome da espécie, se possível e número) que passam muito acima, acima, através e abaixo da linha.
A Rita e o Nuno vão para Bruçó e a Julieta deixa-me com o Tiago em Picote e vai prospectar uma linha entre Ifanes e Constantim, que uma senhora no dia anterior nos disse ter sido corrigida.
Com as instruções da Julieta e mapas na mão, eles lá dão com a linha. Escolhem um troço perto de um caminho de terra batida e cujo vão atravessa um olival e alguns terrenos agrícolas. Depois de ver os números dos apoios, começam as contagens.
Tal como nos dias anteriores, a chuva continua. As gotas nos binóculos dificultam a visão e identificação das aves que passam, e como estão parados e cada vez mais molhados, começam a ter frio. Uma vez que vêem passar muitas aves no vão escolhido, optam por dividir tarefas: a Rita conta e identifica as espécies, dentro do possível, e o Nuno vai apontando. A variedade é grande: tentilhões, alvéolas, chapins, cias, escrevedeiras-de-garganta-preta, verdilhões, melros...
Quando a chuva aperta quase não se vêem aves. Ou porque elas se abrigam ou pela difícil visão que a água a cair provoca. A certa altura começa a cair com tanta intensidade que decidem abrigar-se no jipe. Como é alto, podem ficar dentro dele e continuar a ver o vão, ainda assim é preciso ter a janela aberta para continuar a ver a linha, portanto a Rita continua a apanhar com a chuva em cima! Mas pelo menos lá dentro o vento não é tão intenso.
Comunicamos através de mensagens de telemóvel.
Digo-lhe que do nosso lado também não parou de chover, umas vezes mais fraca, outras forte, outras cerrada, outras miúda, é à escolha! Estou congelada!
(E para escrever esta mensagem CURTA devo ter demorado MEIA hora!)
De repente começa a chover a potes. Aguentamos...
Com a chuva e a cor cinzenta do dia, é difícil ver o que quer que seja. Na primeira hora como choveu menos ainda conseguimos contar alguns passeriformes que passaram acima e abaixo da linha, e um milhafre-real e uma gralha que passaram abaixo.
Vejo o Tiago a dar aos braços e às pernas. Também está gelado.
Faço o mesmo, mas começo a enterrar-me na lama, tal a poça que se gera debaixo dos meus pés. Tenho de movimentar os pés, mas sem ser sempre no mesmo sítio.
A Julieta não vai conseguir terminar a prospecção antes do fim da nossa contagem e começo a pensar numa solução, para não estarmos ali ao frio: Pedir boleia!
Metemo-nos à estrada, debaixo de chuva, quase em hipotermia, até que passa uma carrinha. O Tiago faz sinais, eu meto-me quase no meio da estrada, com as mãos abertas para a frente, em sinal de Parem por favor! Mas a temer que pela velocidade não iam parar, começo a implorar, juntando as mãos como quem reza!
Pararam mais à frente. Desatámos a correr para a carrinha, não fossem desistir!
Levam-nos até Sendim e esperamos pela Julieta na Residencial. A pedido ainda nos deixam tomar banho, apesar de já termos feito o check-out.
Ligamos o aquecimento (que é quase no tecto) e damos uma secadela às meias. O Tiago consegue fazê-lo de pé, eu tenho que me encavalitar em cima da secretária!
Por fim a Julieta chega com um cadáver de rapina que tinha encontrado. Deve ter sido electrocutada antes da correcção. Teremos de o levar à Osteoteca para nos ajudarem a identificar.
Partimos para Torre de Moncorvo, para almoçamos com a Rita e o Nuno que chegaram lá primeiro e aproveitaram para conhecer o local. Agora que já não estão a trabalhar, o tempo melhora e deixa de chover! E por vezes até surge o sol. É irritante!
Depois de cada um se fazer à estrada de regresso a casa, envio uma ultima mensagem à Rita: Boas entradas amanhã!! E se for sem chuva já é BEM BOM!!